A Desigualdade no Processo Eleitoral Reproduz a Desigualdade Social

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Analisando os dados referentes ao financiamento das campanhas eleitorais percebe-se que há uma desigualdade abissal entre os candidatos. Os dados segregados permitem concluir que esta desigualdade tem sido determinante na definição do resultado das eleições, produzindo uma enorme assimetria em termos de oportunidades e principalmente comprometendo o caráter democrático das eleições parlamentares. Assim como na sociedade brasileira onde a concentração de renda acaba repercutindo na concentração das oportunidades e, portanto, reproduzindo o modelo concentrador, no processo eleitoral, da mesma forma, a concentração dos recursos é que determina quem serão os eleitos.

Comparando as eleições de 2010 com as de 2014, percebe-se um crescimento no número de candidatos a deputado estadual, deputado federal e senador, de 15.132 candidatos em 2010 para 17.831 candidatos em 2014, um aumento de 18%. Os gastos de campanha tiveram um aumento de aproximadamente 22%, 4% mais que o aumento do número de candidatos (ainda que de 2010 para 2014 tenha ocorrido uma diminuição de candidatos ao senado, já que em 2014 foi ano de renovar apenas um terço daquela casa. Nestes dois pleitos eleitorais, os candidatos eleitos, 9,89 % em 2010 e 8,84% em 2014, utilizaram, respectivamente, 55,34% e 55,07% dos recursos totais de campanha. Ou seja, menos de 10% do total de candidatos, que se elegeram, consumiram mais da metade de todos os recursos disponíveis para campanha.

Quando analisamos os cargos eletivos, especificamente considerando os recursos utilizados por cada candidato, percebemos que a concentração dos recursos foi determinante na definição dos resultados. Para deputado federal, 20% dos candidatos utilizaram 91,11% dos recursos em 2010 e 93,19% em 2014. Dos 514 candidatos eleitos, 92% em 2010 e 96% em 2014 estão neste seleto grupo dos candidatos com campanhas ricas. Ou seja, quase 100% dos deputados federais eleitos estão entre os que consumiram mais de 90% dos recursos de campanha. Entre os 10% mais ricos estão aproximadamente 70% dos eleitos.

Não é novidade que a desigualdade social no Brasil é extremamente alta. Se considerarmos o índice de Gini, estamos localizados entre os cinco países mais desiguais do planeta. O modelo de concentração de renda tende a ser reproduzido no sistema político, pois são exatamente as campanhas mais ricas que logram sucesso nas eleições. Assim, os candidatos que mais dispõe de recursos financeiros são os que terão mais chances de serem eleitos e são exatamente estes que representarão as classes que mais se beneficiam da concentração de renda, pois quase 60% do financiamento total das campanhas provêm de empresas. O financiamento privado dos candidatos e dos partidos nas eleições é que vai acabar promovendo a reprodução do modelo concentrador de renda. Se os patrocinadores dos candidatos que efetivamente tem chance de serem eleitos são as empresas e os empresários que se beneficiam da própria concentração de renda, certamente o sistema político nacional acaba se convertendo em fator de reprodução das desigualdades sociais.

A desigualdade entre os candidatos é maior do que a desigualdade social do país. O Brasil, embora tenha reduzido a desigualdade social nos últimos anos, ainda se encontra numa posição bastante vexatória se compararmos com países mais desenvolvidos. Se utilizarmos umas das medidas comuns de desigualdade que é a comparação entre a renda dos 10% mais ricos e dos 10% mais pobres, percebemos que esta distância é de 68 vezes no Brasil, enquanto nos EUA é de 15 vezes, e na França, de 12 vezes.

Se utilizarmos a mesma medida para comparar os candidatos, percebemos que esta distância é infinitamente maior. Para deputado federal, os 10% mais ricos utilizaram 3.325,90 vezes mais recursos que os 10% mais pobres em 2010 e 3.829,43 vezes em 2014, aumentando 15% a concentração dos recursos. Para deputado estadual, esta relação foi de 1.516,95 e 1.613,74 vezes para os pleitos de 2010 e 2014, respectivamente, registrando aumento de 6%. Já para senador, a relação passa a ser de 10.089,00 em 2010 e de 7.071,79 vezes em 2014, com redução de 29%.

2010

2014

Cargo

Candidatos

Valor total

%

Relação

Candidatos

Valor total

%

Relação

Dep. Federal

4.390

919.309.507,86

 

 

5.286

1.169.467.695,57

 

 

10% topo

439

670.938.974,47

72,98

 

528

910.255.304,39

77,84

 

10% base

439

201.731,73

0,02

3.325,90

528

237.699,95

0,02

3.829,43

Deputado Estadual

10.456

919.777.308,93

 

 

12.376

1.218.409.089,81

 

 

10% topo

1.046

603.276.488,37

65,59

 

1.237

866.926.392,78

71,15

 

10% base

1.046

397.690,03

0,04

1.516,95

1.237

537.216,57

0,04

1.613,74

Senador

224

348.504.882,47

 

 

169

271.150.749,98

 

 

10% topo

23

177.610.159,61

50,96

 

17

146.238.641,11

53,93

 

10% base

23

17.604,33

0,01

10.089,0

17

20.679,15

0,01

7.071,79

Fonte: site Donos do Congresso

O nível de concentração de recursos é tão alto no sistema eleitoral que em 2010, 50% dos candidatos com campanhas mais ricas absorveram 99,10% dos recursos disponíveis, para deputado federal, 98,09%, para deputado estadual e 99,10% para senador. Para 2014 estes percentuais passam a ser de 99,25%, para deputado federal, 98,48% para deputado estadual e 99,27% para senador. Ou seja, a metade dos candidatos inscritos teve à disposição menos de 2% do total dos recursos disponíveis para as campanhas eleitorais.

Não há dúvidas de que a concentração dos recursos financeiros proporcionada pelo financiamento privado das campanhas produz uma enorme desigualdade de oportunidades no processo político eleitoral e isso fica evidente no resultado das eleições. Assim fica fácil compreender as razões da desigualdade social. O modelo eleitoral brasileiro é, se não o principal, um dos principais fatores de reprodução do modelo concentrador de renda do País. Como promover a redução das desigualdades se a representação política é majoritariamente representante das classes que de beneficiam da concentração de renda?