Os efeitos positivos dos tributos sobre transações financeiras (TTF) no Brasil

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Por dez anos, de 1997 até 2007, dois tipos de tributos sobre transações financeiras estavam em vigor no Brasil. O Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), criado em 1966, no fim da primeira fase da ditadura militar (a “ditadura envergonhada”), que evoluiu ao longo dos anos até tornar-se, desde 2011, um instrumento amplo de arrecadação. Um tributo que inclui todo tipo de operações de crédito ou movimentação de capital financeiro, incluindo os instrumentos derivativos. O IOF é um tributo tanto regulatório, quanto arrecadatório.

O outro tributo, a CPMF – Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira – é um tipo de taxa bancária, introduzida especificamente com objetivo arrecadatório. Nove anos antes, a Constituição Federal havia criado o Sistema Único de Saúde, mas não indicou qual seria a fonte de financiamento de tal sistema.
A CPMF foi criada justamente para financiar o sistema público de saúde, sempre em dificuldade financeira, sofrendo mais ainda com redução de orçamento pois o Governo Federal precisava usar os recursos para o pagamento de juros da dívida pública. É bom lembrar que, naquela ocasião, a hiperinflação tinha sido “domada” há apenas três anos, enquanto a nova moeda, o Real, tinha apenas dois anos de criada.
Críticas contra a CPMF se acumularam. O FMI e até economistas do Banco Central fizeram um prognóstico de um desastre, argumentando que a Contribuição estimularia a evasão fiscal e causaria uma diminuição nas atividades bancárias. Ambas instituições, reforçadas por discursos da oposição política ao governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, diziam e escreviam que o novo tributo faria aumentar os fluxos de capital do país para os mercados internacionais. Isto, argumentaram exaustivamente, seria contrário ao objetivo original da sua criação porque a arrecadação eventualmente e naturalmente diminuiria no longo prazo, com o desenvolvimento de mecanismos para evadir a sua alíquota de 0,38%.
Em resposta a um problema de tributação excessiva em atividades em contas de investidores, em 2004, o Banco Central criou uma conta especial para investimento, na qual o capital podia assentar-se enquanto as aplicações eram feitas, deixando para aplicar a CPMF somente no momento de resgate líquido da aplicação, ou seja, quando o recurso fosse para a conta corrente e a partir daí movimentado.
Em seus dez anos de existência, o país foi se adaptando à CPMF, lutando contra as críticas deflagradas na grande imprensa e no ambiente contraditório da política do Congresso Nacional – o Partido dos Trabalhadores (PT) se opôs ao Projeto de Lei que a criou, somente para depois, enquanto no poder, declarar que não poderia governar sem ela.
Bem, como a história mostra, o país pode viver sem a CPMF, pois o IOF é garantido como uma política de Estado contido na Constituição Federal. Para compensar a perda de arrecadação com o fim da Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras, o Ministério da Fazenda determinou através de portarias o aumento das alíquotas do Imposto para os diversos atos constituintes (seguro, crédito, câmbio, ouro e ações).
Nada melhor que dados e a história para provar quando as especulações econométricas eram equívoco. Apesar do ceticismo de economistas do FMI, receita da CPMF cresceu progressivamente durante sua existência. Em seu último ano ela arrecadou quase seis vezes mais do que sua arrecadação do primeiro ano – R$ 38,4 bilhões comparados com R$ 6,9 bilhões.
Estes são números impressionantes que foram também alimentados pelo aumento de transparência nas transações bancárias, reduzindo evasão e elisão fiscal ao cruzar automaticamente a informação sobre os fluxos financeiros e as declarações de imposto de renda de pessoas físicas e jurídicas.
A partir de 2001, após a aprovação da lei 10.174/01 que autorizou esse cruzamento automático de dados, fluxos de capital tornaram-se mais transparentes, o que contribuiu para reduzir lavagem de dinheiro através de contas de terceiros.
Em 1998, 38,5 milhões de pessoas tinham conta bancária, mas somente 9,9 milhões de pessoas declararam Imposto de Renda, a maioria alegando isenção fiscal por faixa de renda. Mas este grupo, ao mesmo tempo, movimentou R$ 192,3 bilhões. Sessenta e duas pessoas que alegaram isenção movimentaram R$ 178 milhões. O cruzamento de dados permitiu à Receita Federal criar um índice baseado em fluxo de capital sobre receitas declaradas, com pesos diferenciais a depender se é aplicado a pessoa física ou jurídica.
O IOF, por outro lado, além de ser um instrumento macroeconômico no controle do fluxo de capital, é também parte de um largo espaço de política pública. Assim sendo, o aumento das alíquotas do IOF, ou a criação da CPMF, não interrompeu o crescimento do fluxo financeiro e da atividade bancária como previram os apocalípticos. Em cinco anos, de 2002 a 2007, a Bovespa cresceu de onze mil pontos para sessenta e quatro mil pontos, representando um aumento de 467%.
Oferta de ações no mercado de empresas de capital aberto pulou de somente quatro em 2002, para setenta e seis em 2007. Oferta inicial de ações de novas empresas subiu de sete para sessenta e quatro. O valor nominal do mercado foi de 4,4 bilhões para 55,8 bilhões em cinco anos. E, mesmo depois que a CPMF foi interrompida, o aumento de 0,38% no IOF, para compensar a arrecadação, não interrompeu o caminho de crescimento do mercado de capitais brasileiro.
Também temos que levar em consideração o contexto do momento, de preços altos para as commodities exportadas e a conversão gradual da dívida externa em obrigações públicas nacionais, ou seja, em Real. Havia crescimento econômico, com emprego, contribuindo para o aumento na oferta de crédito. Tudo isso, mais a política de microcrédito para consumo sob um ambiente financeiro estável, promoveu um crescimento vertiginoso nas atividades bancárias.
A organização não governamental Global Financial Integrity (GFI), em seu relatórioBrasil: Evasão de Capital, Fluxos Ilícitos e Crises Macroeconômicas, 1960-2012, mostra dados que enquanto os dois tributos sobre transações financeiras estavam em funcionamento, o Brasil teve uma redução significativa em evasão de recursos, tanto lícitos quanto ilícitos (Gráfico 3. GFI: 2014. P. 10). A redução na atividade ilícita de fluxo de capital é confirmada no Anexo III, que mostra a taxa de fluxo ilícito por PIB e por comércio exterior, na tabela 3 (GFI: 2014. P. 37). Cruzando esta tabela com Anexo I: Evasão de Capital e Fluxos Ilícitos, pode-se verificar uma redução em saída de “dinheiro quente” (Tabela 1. GFI: 2014. P. 35).
Concluindo, as premonições guiadas pela ortodoxia econômica neoclássica estavam erradas. Os tributos sobre transações financeiras não interferiram, ou deturparam, ou comprometeram o mercado de capitais, de fato o contrário aconteceu, a regulação criou mecanismos de defesa contra a crise financeira de 2007/2008. O país cresceu ainda mais com a política “anticíclica” de liberação de crédito para consumo, expandindo o mercado interno, o que fez as atividades bancárias aumentarem. Nunca antes bancos lucraram tanto no Brasil.
Como fica evidente no estudo A tributação das transações financeiras no Brasil, de dois economistas do IPEA, a oposição política no Congresso Nacional que liderou o movimento que rejeitou a renovação da CPMF tinha menos que ver com a operação do tributo do que com a ameaça concreta que ele trouxe aos negócios ilícitos e ilegais, que corriqueiramente envolve personagens da política. A transparência financeira, enquanto fica provado que faz bem para o país, também ficou evidente que não interessa a quem tem poder e opera nas sombras da economia para sua manutenção.


Por Claudio Fernandes, economista político da campanha TTF Brasil.