Onde está o dinheiro? Por Alessandra Nilo, da Gestos.

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Correio Braziliense – 13/12/2013
DESENVOLVIMENTO HUMANO E SUSTENTÁVEL
ALESSANDRA NILO

 

Cocoordenadora da Campanha TTF Brasil, é diretora da Abong em Pernambuco, cofundadora da Gestos-HIV,
Comunicação e Gênero e secretária regional do Conselho Latino-americano e Caribenho de ONG Aids

A maior lição da recente crise financeira é que não podemos mais manter um sistema cuja regulação é tão flexível. Há muito, o vínculo entre o setor financeiro e as demandas sociais foi partido e oscilamos à mercê de um mercado que até já adquiriu características humanas: seu “nervosismo”, “humor” e “impaciência” tornaram-se parte do nosso cotidiano. 

Criamos um ente que gera dinheiro a partir do dinheiro, mobilizando 70 vezes mais que o PIB mundial para beneficiar menos de 10% da população do planeta. Tal sub-regulamentação levou países desenvolvidos a injetarem US$ 3,5 trilhões para tirar a criatura da UTI em 2009 — ironicamente, os mesmos que nunca liberaram, por exemplo, os US$ 60 bilhões/ano necessários para alcançarmos os Objetivos do Milênio em 2015. 

Claro, apenas dinheiro não seria solução. É preciso vontade política e legislação adequada para garantir o uso efetivo dos recursos. Reformar o modelo econômico é tão estrutural quanto reformar a política, e somente essa ação combinada trará equidade ao Brasil, país dividido entre quem tem e quem não tem acesso a direitos e no qual boa parte dos recursos para garantir serviços públicos de qualidade são mal geridos ou sonegados em jurisdições secretas: a lavagem de dinheiro das drogas, o comércio ilegal de armas e a corrupção já somam hoje US$ 520 bilhões, cerca de 25% do PIB brasileiro. Impressionante, não? 

Fato é que a discussão tem avançado internacionalmente e, além da necessidade urgente de regulação do sistema financeiro, a redefinição dos paradigmas da cooperação múlti e bilateral agora exigem fontes adicionais para os bens públicos globais e domésticos. Já é tempo, portanto, de o sistema devolver algo à sociedade. 

Para isso, um passo concreto é a criação da Taxa Solidária Internacional sobre operações financeiras (TTF). De valor muito pequeno — 0,05% ou menos —, uma vez aplicada, por exemplo, sobre o mercado global de derivativos, estimado em US$ 731 trilhões, já geraria US$ 68 bilhões/ano. John Maynard Keynes, ainda nos anos 1930, dizia que TTFs ajudariam a controlar a especulação excessiva e a crescente volatilidade dos mercados financeiros. 

Mas a ideia de usá-la em prol de um sistema econômico inclusivo e equitativo consolidou-se em 2002, na Conferência de Financiamento para o Desenvolvimento, no México. Desde então, a agenda de “mecanismos financeiros inovadores” (MFI) tem sido impulsionada pelo Brasil, que criou, em 2004, com a França, o Chile e a Espanha, o Grupo Técnico sobre MFI e, em 2006, gestou a Unitaid, central de compras de medicamentos para Aids, tuberculose e malária, financiada por meio de taxação sobre passagens aéreas. 

Em 2010, o país firmou na ONU declaração de apoio à TTF global, hoje defendida pelo presidente francês, François Hollande, pela chanceler alemã, Angela Merkel, por financistas como George Soros e uma lista de mais de mil supereconomistas — incluindo Jeffrey Sachs, Paul Krugman e Joseph Stiglitz — que ainda em 2011 oficializaram carta de apoio à taxa.

Enquanto o Parlamento Europeu avança no debate, as novas Metas Estratégicas para o Desenvolvimento Sustentável que estão sendo construídas agora, e que em 2015 substituirão os atuais Objetivos do Milênio, poderão definir o futuro dessa ideia. A Campanha TTF Brasil (www.ttfbrasil.org), esteve reunida em Brasília, no fim de novembro, defendendo que nosso país reassuma a liderança global dessa agenda, que beneficiará milhões de pessoas, inclusive brasileiros. 

Vale lembrar que, em junho de 2011, a Comissão de Finanças e Tributação do Congresso Nacional aprovou por unanimidade requerimento para que o Ministério da Fazenda defenda a instituição da TTF Global. Nos resta saber qual a posição do governo Dilma sobre o tema.