Sem limitar o poder corporativo o G8 não tem nenhuma chance de combater a evasão fiscal. Por Prem Sikka.

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Um dos temas recorrentes nas ciências sociais é a “captura” do Estado pelas elites econômicas. Isto lhes permite avançar seus interesses econômicos, definir as políticas e escolhas públicas. Não há tema mais próprio a constar nos debates sobre a evasão fiscal, um item fundamental na agenda para a reunião do G8 na próxima semana na Irlanda.

A cúpula, sem dúvida, terminará com as oportunas e habituais fotos, sorrisos, apertos de mão e declarações de auto-congratulação, mas uma coisa que não vai discutir é a “captura” do Estado pelas elites econômicas, uma das principais razões para o contínuo fracasso no combate à evasão tributária corporativa.

Nos últimos meses, as empresas multinacionais, tais como Google, Apple, Microsoft, eBay, Apple, Vodafone, HSBC e Amazon têm chegado às manchetes por sua evasão fiscal e outras práticas anti-sociais. As quatro grandes empresas de auditoria – PricewaterhouseCoopers, Ernst & Young, Deloitte e KPMG – ter sido “fritadas” pelas comissões parlamentares do Reino Unido face à elaboração e comercialização de esquemas de evasão fiscal, muitos dos quais têm sido declarados ilegais pelos tribunais. No entanto, os mesmos interesses econômicos desempenham um papel fundamental na elaboração e aplicação das leis fiscais do Reino Unido. Aqui estão alguns exemplos.

A Caixa de Patente (Box Patent)

A nova peça de legislação fiscal conhecido como a Caixa de Patentes entrou em operação, com efeitos a partir de 1º de Abril de 2013. Esta é uma tentativa de reduzir a taxa efetiva de imposto sobre as sociedades através da criação de regimes fiscais especiais, que não são tão facilmente visíveis.

A idéia-chave da Caixa de Patente é taxar os lucros corporativos fiscais derivadas de patentes e outros direitos de propriedade intelectual à taxa de 10% ao invés da taxa de manchete de 23% (reduzido para 22% desde 1 de Abril de 2014). As empresas não têm de possuir legalmente uma patente e muitos poderão de fato alugá-los. O usufruto pode ser realizado em um paraíso fiscal. Esta concessão pode reduzir as contas fiscais das empresas em cerca de um bilhão de libras por ano.

Sem dúvida, no momento oportuno, vamos ouvir dos câmbios em patentes criativas e de novas formas de atribuição de renda para eles de modo a reduzir as contas de imposto sobre as sociedades. A legislação foi elaborado por um grupo de trabalho composto inteiramente por representantes de grandes empresas, incluindo GlaxoSmithKline, Rolls-Royce e Shell. O grupo de trabalho que elaborou este pesado benefício fiscal não tinham representação dos sindicatos, jornalistas investigativos, defensores da justiça tributária ou críticos.

Legislação sobre companhias estrangeiras controladas

As companhias estrangeiras controladas regras (CFC, em inglês) representam uma outra parte da legislação elaborada por interesses corporativos. A legislação aplica-se às empresas controladas do Reino Unido, mas residente em um território ultramarino. Os detalhes são complexos, mas em essência, eles querem dizer que se, por exemplo, um “Treasury Group” (uma espécie de holding corporativa) localizado dentro do Reino Unido e que recebe rendimentos de subsidiárias no exterior, então seria tributado a uma taxa de 5,25% ao invés da taxa usual do imposto sobre as sociedades.

Os grupos de trabalho de elaboração da legislação teve representantes da Diageo, Tesco, Vodafone, Shell, Rio Tinto, GlaxoSmithKline, Kraft, Cable and Wireless, HSBC, Prudential e Avia, só para mencionar alguns. Todos têm interesses econômicos vitais para garantir leis tributárias benéficas. Não havia nenhuma representação de qualquer organização da sociedade civil, sindicatos civis ou críticos.

O efeito combinado da legislação Box Patent-CFC poderá reduzir as receitas de imposto sobre as sociedades em cerca de £ 5 bilhões por ano, num momento em que as pessoas comuns estão enfrentando enormes dificuldades.

O governo do Reino Unido foi assessorado sobre o desenvolvimento desses dois itens da legislação pela KPMG, uma organização que pagou US$ 456 milhões nos EUA por delito criminal. A Comissão de Contas Públicas da Câmara dos Comuns observou:

KPMG apoiou o pessoal destacado para aconselhar o governo sobre a legislação tributária, incluindo o desenvolvimento da “corporação estrangeira controlada” (CFC) e as regras de “Caixa de patentes”. Em seguida, produziu folhetos de marketing relativas aos dois conjuntos de regras com destaque para o papel a sua equipe teve na assessoria ao governo. A brochura “Caixa de patente: o que está nele para você”, sugere que a legislação é uma oportunidade de negócio para reduzir o imposto do Reino Unido e que a KPMG pode ajudar os clientes na “preparação de alocação justificável de despesa.

Regra Geral Anti-Abuso

Que tal reduzir a evasão fiscal? A partir de 1º de Julho de 2013, a regra geral Anti-Abuso (GAAR) vai entrar em vigor. O princípio por trás da GAAR é o desencorajamento à evasão fiscal organizada, concentrando-se na substância econômica e não apenas na forma jurídica de uma transação. Dessa forma, pode-se argumentar que muitas das transações são uma farsa, pois elas não têm nenhuma substância econômica e são apenas lançamentos contábeis meramente internos destinados a evitar os impostos e devem, portanto, serem ignoradas.

No entanto, a legislação do Reino Unido não é assim. Lord MacGregor, presidente da Sub-Comissão de Legislação Financeira da Comissão de Assuntos Econômicos, afirma que

Há um equívoco de que a GAAR significará que empresas como Starbucks e Amazon e outras do gênero, serão submersas sob uma avalanche de contas tributárias. Isso é errado e o Governo precisa explicar isso para o público. O GAAR é estritamente definido e só terá um impacto sobre as mais abusivas práticas de evasão fiscal.

A GAAR do Reino Unido exige que a Revenue and Customs de Sua Majestade (HMRC)1 aplique o teste da “dúvida razoável”. Isso requer que a HMRC mostre que os esquemas de evasão fiscal – o Tesouro prefere chamá-los de um regime fiscal – sob escrutínio “não podem ser razoavelmente considerados como uma etapa de uma ação razoável”. O efeito líquido da virada lingüística é que um esquema de evasão só será tratado como abusivo se não for razoável sustentá-lo sob esse ponto de vista.

Pela lei britânica, a abusividade não é necessariamente uma questão de fato econômico, ou relacionada com a erosão da base tributária, ou com o fato de que uma parcela de rendimentos e lucros de alguém tenha escapado à tributação. O teste é saber se o que aconteceu é razoável. Se alguma dúvida prática está bem estabelecida, então a ação pode muito bem ser considerada razoável.

Quem vai decidir se o estado de coisas é razoável? O procedimento é que HMRC vai ter de colocar sua análise a um painel de especialistas, chamados de independentes, que irão dar a sua opinião sobre se as medidas em questão constituem um curso de ação razoável.

O painel consultivo muito provavelmente consistirá de representantes da administração das empresas e de empresas de contabilidade, uma vez que se presume serem os experts em perícia técnica. Assim, a indústria de evasão fiscal e as empresas envolvidas na evasão fiscal estará em uma posição de algemar a HMRC. Ora, se eles permitirem a HMRC apresentar um processo contra alguém, então no momento oportuno os mesmos parâmetros podem vir a ser aplicados a eles e a seus negócios também. Se as questões de alguma forma chegarem a um tribunal, então ele também será algemado, porque a lei exige que ele deve levar em conta o parecer do Painel Consultivo GAAR dado ao HMRC!

Um anúncio recente convida indivíduos a voluntariarem-se para se sentarem (de graça!!!) no painel GAAR. Inevitavelmente, eles virão de empresas que poderão continuar a pagá-los enquanto destacados na HMRC.

Nenhum combate à evasão fiscal será eficaz enquanto não existir uma adequada distância entre as grandes empresas e as autoridades fiscais. Em comum com muitos outros Estados, o Reino Unido está muito perto de interesses corporativos.

Limitar o poder corporativo e realinhar as instituições políticas às necessidades e preocupações dos cidadãos comuns, devem estar na agenda do G8. Mas, infelizmente, isso não será discutido e a evasão fiscal deverá manter-se galopante.

1É a Receita Federal britânica.


Prem Sikka é Professor de Contabilidade, Essex Business School da Universidade de Essex. É consultor e ativista da Tax Justice Network

O texto foi originalmente publicado no site The Conversation. Para acessá-lo, clique aqui.

Tradução livre por Marcelo Ramos Oliveira.