Trabalhadores Sem Teto, por Dão Real dos Santos

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Não, não é dos milhares de trabalhadores sem moradia que estou falando. É dos sem teto, mas com moradia, com auxílio moradia. E refiro-me ao teto constitucional dos servidores públicos. Como assim? Não existe teto para os salários dos funcionários públicos? Sim, existe! O teto constitucional é o salário do Ministro do Supremo Tribunal Federal, ou seja R$ 33,7 mil. Ninguém pode ganhar mais do que isso no serviço público brasileiro. Exceto os próprios ministros do STF, os juízes, os procuradores da República, os conselheiros dos Tribunais de Contas, e outras carreiras jurídicas a estas equiparadas.
Mas como isso é possível? Simples, os magistrados transformaram parte de sua remuneração em indenização e decidiram que as verbas indenizatórias não se submetem ao teto constitucional. Uma dessas verbas é o auxílio moradia. Isso mesmo, os magistrados e outros servidores da área jurídica recebem (extra) para morar. Claro, na casa deles mesmos, pois a maioria desses servidores, ganhando salários de mais de R$ 30 mil, certamente já tem sua casa própria, ou suas casas próprias. Mas continuam recebendo quase R$ 4,5 mil ao mês de auxílio moradia! Por conta disso, mais de 65% dos magistrados no Brasil recebem mais do que teto, conforme dados publicados pelo próprio CNJ, em 2017.
Muitos magistrados justificam esta parcela como sendo uma compensação por falta de reajuste salarial, o que torna essa indenização ainda mais esdrúxula. Se é compensação por falta de reajuste então é salário; sendo salário, não pode extrapolar o teto. Essa é a regra e qualquer um chegaria a esta conclusão. Não importa o nome que tenha, se não for verba indenizatória, o limite é o teto. Foram os ministros do STF que disseram isso (ainda que em decisão liminar). Os magistrados e as demais carreiras jurídicas, como defensores da lei e do direito, deveriam devolver aos cofres públicos o que extrapole o teto constitucional.
Mas não fica por aí. Esta parcela excedente de renda não paga Imposto de Renda, pois, por ter natureza de verba “indenizatória”, ainda que só no “faz de conta”, está isenta do Imposto de Renda, diferentemente de todos os demais trabalhadores brasileiros, que, mesmo gastando boa parte dos seus salários pagando alugueis ou prestações da casa própria, não podem deduzir nenhum centavo do seu imposto de renda. Pelo contrário, será considerado salário indireto, para todos os efeitos, inclusive, tributários, se o empregador fornece ou paga aluguel para moradia do seu empregado, e isso já foi reconhecido até mesmo no STF.
Ora, a Lei não muda os fatos nem a essência das coisas. Se os próprios magistrados e demais operadores do direito reconhecem que se trata de salário, mesmo que sob a denominação de indenização, por uma questão de coerência com as decisões judiciais e de respeito aos princípios da Constituição Federal, eles mesmos deveriam submeter tais rendas à tributação e ao teto. Senão, … deve haver algum outro nome pra isso, mas, no mínimo, não é justo.


Dão Real dos Santos é diretor do Instituto Justiça Fiscal.