Sonegação, perdão fiscal, repatriação e a Zelotes

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Paulo Muzell

A Procuradoria da Fazenda Nacional estima que um montante que pode chegar aos 900 bilhões de impostos é sonegado anualmente no Brasil. Mesmo que esta estimativa esteja um pouco inflada, certamente os cofres públicos deixam de arrecadar percentual não inferior a 10% do PIB do país, algo em torno dos 600 bilhões de reais/ano.

Segundo os especialistas, uma das causas da sonegação é uma legislação frouxa, que não pune como deveria. Se uma pessoa roubar 100 reais, pode pegar uma pena de até 8 anos. Se um empresário sonegar 100 milhões a pena máxima é de apenas 5 anos. Se pagar, é solto. Se for flagrado tardiamente, passados 5 anos a exigibilidade se extingue e com ela a punibilidade.

O governo ilegítimo de Temer representa os interesses do que se costuma chamar de “elite econômica”. Vou além, não temos no país uma elite econômica e sim uma oligarquia atrasada, caolha, corrupta, sem um projeto de construção nacional, entreguista composta por duas turmas, uma boçal, da UDR, “do boi”, com forte representação na Câmara Federal. Há uma outra, a dos neoliberais que se autodenominam “modernos”. Eles fingem se ajoelhar ante o “deus mercado” que, sabem, não existe mais, como bem demonstrou John Kenneth Galbraith há exatos 50 anos atrás em seu clássico “O Novo Estado Industrial”. São liderados por um FHC completamente gagá, patético, que mostrou seu desespero e insensatez ao lançar Luciano Huck candidato à sucessão presidencial de 2018.

Todo mundo sabe que os ricos pagam muito pouco imposto no Brasil. São isentos de tributação sobre ganhos de dividendos e participação em lucros, o que é um absurdo. Além disso, o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis “causa mortis” além de não ser progressivo, tem alíquotas muito baixas, ridículas. Os pobres, num sistema tributário regressivo como o nosso pagam proporcionalmente mais imposto.

Não satisfeita, nossa oligarquia cria novos privilégios e vantagens. Aposta na inadimplência, que é elevada: sabe que ao adiar o pagamento, no futuro vai pagar menos. Periodicamente o governo cria os Programas de Recuperação Tributária (PRT), os famosos Refis, que sob o pretexto de aumentar a arrecadação da dívida ativa, concedem vantagens aos maus pagadores. Como os benefícios são excessivamente “generosos”, acabam estimulando a inadimplência, gerando um circulo vicioso. É o caso da MP 766, que tramita no Congresso e que propõe reduções de até 90% das multas e juros e de até 99% nos encargos legais e honorários, além de parcelamentos em até 15 anos. Perguntamos: por que pagar em dia?

Um absurdo ainda maior é o programa de repatriação de recursos do exterior. Existe um acordo de cooperação internacional da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que vai permitir a partir de 2018 a integração das informações bancárias dos países membros, o que possibilitará a identificação e o confisco dos valores de lavagem de dinheiro e de sonegação fiscal. Por isso foi montado e tem forte adesão um programa de repatriação de recursos. Na forma como foi estruturado, ao não investigar a origem dos valores e assegurar a confidencialidade, impedindo a divulgação dos nomes e valores vira uma “caixa preta” que vai viabilizar, segundo próprios técnicos da Fazenda Nacional, a maior lavagem de dinheiro da história do país. O GAFI, Grupo de Ação Financeira Internacional denunciou a total falta de transparência do Programa de Repatriação brasileiro.

E ainda tem mais. No CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – do Ministério da Fazenda tramitam processos tributários cujo montante total atinge 580 bilhões de reais. Neles os contribuintes questionam a legalidade da cobrança de impostos e multas. Compete ao Conselho avaliá-los antes da etapa de encaminhamento judicial. Em março de 2015 a operação Zelotes denunciou que quadrilhas atuavam no CARF pagando propinas a Conselheiros para beneficiar grandes empresas, liberando-as doa obrigação do pagamento. Os 74 processos investigados representam 19 bilhões de impostos cujo pagamento é questionado pelas empresas. Dentre elas estão a TIM, o Bradesco, o Safra, o Santander, dentre outras, além de duas gaúchas, a Gerdau e a RBS. Rapidamente as notícias sobre a Zelotes saíram do noticiário e apenas alguns órgãos de mídia independente e a revista Carta Capital continuaram acompanhando o desdobramento de suas investigações. Recentemente uma denúncia que recaiu sobre uma empresa de propriedade de um filho de Lula atraiu novamente a atenção da grande mídia escrita (FSP e Estadão). Como sempre acontece, os jornalões “esqueceram” de mencionar os grandes grupos, só citaram o filho de Lula. Há algumas semanas atrás uma decisão do CARF causou surpresa, quase espanto. O banco ITAÚ foi “aliviado” do pagamento de 25 bilhões de reais de impostos lançados que tinham como fato gerador o processo de sua fusão com o UNIBANCO.

Como vimos este é o usual “modus operandi” da oligarquia brasileira. Ela criou o impostômetro e sonega impostos à beça; aposta na inadimplência porque sabe que logo logo terá o “perdão”. Legaliza a lavagem de dinheiro e ainda questiona o lançamento de impostos, pagando propinas para não honrar o que é devido.


Paulo Muzell é economista.


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