Falhas na arrecadação de imposto sobre a terra facilitam especulação e desmatamento na Amazônia

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Mais de R$270 milhões em sonegação por ano. Essa é a estimativa levantada por estudo recente que avalia o potencial de arrecadação do Imposto Territorial Rural (ITR) no Estado do Pará, criado para coibir a ocupação de terras públicas e a especulação fundiária, práticas que historicamente contribuem para o aumento das taxas de desmatamento na Amazônia e estimulam a baixa produtividade em terras ocupadas ilegalmente. A sonegação é ainda maior já que o estudo considerou apenas os dados disponíveis para 56% da área desmatada tributável no Pará.

A reportagem é publicada por Imazon, 03-11-2014.

Apesar dos avanços no combate ao desmatamento na região, cerca de 600 mil hectares de florestas foram derrubados por ano, em média, entre 2010 e 2013. Grande parte dessa perda foi para fins de especulação, dada a existência de 12 milhões de hectares de pastos mal utilizados em 2010 – o equivalente a 2,7 vezes o território do Estado do Rio de Janeiro.

ITR deve ser pago anualmente pelos proprietários ou posseiros de terras rurais com base no valor de mercado da terra, no grau de utilização do imóvel e o tamanho da propriedade, além de fatores de isenção. Em tese, o imposto devido seria maior para grandes propriedades com baixa produtividade, induzindo o melhor aproveitamento do solo. Mas não é o que acontece, segundo o estudo “O potencial do Imposto Territorial Rural contra o desmatamento especulativo na Amazônia”, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).



Valor arrecadado do ITR em todo o Pará e as estimativas do potencial de arrecadação em imóveis totalizando 56% das áreas desmatadas tributáveis do Estado, considerando o preço da terra oficial e de mercado em 2011.

O estudo foi baseado em informações públicas, incluindo os mapas dos imóveis rurais inseridos no Cadastro Ambiental Rural (CAR); a cobertura vegetal dos imóveis disponibilizadas pelo Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe) e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa); e o valor total do ITR arrecadado no Estados e nos municípios fornecido pelo Tesouro Nacional. Para estimar o real valor devido à Receita, os pesquisadores usaram dados de mais de 53 mil imóveis disponíveis no CAR considerando que todas essas propriedades teriam alto grau de uso do solo, ou seja, mais de 80% da área desmatada em uso. Depois, foram comparados os valores projetados com o valor total arrecadado no Pará em 2011.

Com base nas análises, ficou claro que os proprietários e posseiros de terras usam pelo menos dois artifícios para sonegar o imposto: declaram um valor de terra abaixo do valor de mercado e declaram a posse de uma área de vegetação nativa maior do que a existente para aumentar a área que é isenta do imposto.

O estudo demonstra que os órgãos fiscalizadores podem melhorar a arrecadação submetendo as declarações do ITR a uma análise do tipo malha fina com base em informações geográficas e dos preços de terra. “A receita precisa perceber o ITR como um imposto que inibe a especulação fundiária, além de aumentar a arrecadação. O cruzamento dos mapas das propriedades disponíveis no Cadastro Ambiental Rural com os mapas da vegetação do imóvel coletados em imagens de satélite tornariam a fiscalização mais eficaz”, explica Daniel Silva, co-autor do estudo e pesquisador do Imazon. Além disso, a Receita Federal e as prefeituras já conveniadas para arrecadar o imposto deveriam criar um banco de dados com os preços de mercado da terra em cada região para fiscalizar o valor declarado pelos proprietários e posseiros de terra. A fiscalização por parte das prefeituras é vantajosa pois os municípios podem ficar com 100% do valor arrecadado, enquanto que os municípios não conveniados ficam apenas com 50% do valor. Se as prefeituras fiscalizassem efetivamente o ITR, a arrecadação municipal poderia atingir milhões de Reais e estimularia o aumento da produção agropecuária nas áreas atualmente usadas apenas para especulação.

Outra medida para incrementar a eficiência do ITR seria atualizar os índices mínimos de rendimento para considerar o uso do solo produtivo na Amazônia. Atualmente, os índices se baseiam no Censo Agropecuário de 1975 e são extremamente baixos, considerando como produtivas terras que têm 0,15 a 0,5 cabeça de gado por hectare, enquanto que poderia ser mais de duas cabeças por hectare. Em 2009, o ex-presidente Lula prometeu atualizar os índices, mas desistiu após pressões de políticos ligados ao agronegócio. O trabalho argumenta que os produtores eficientes não deveriam temer o aumento dos índices mínimos, pois eles já produzem bem acima dos índices que seriam atualizados, além da alíquota do imposto já ser baixa para quem é eficiente. Além disso, os produtores eficientes ganhariam, pois as terras usadas para a especulação seriam mais acessíveis para a produção (seja por meio de arrendamento ou venda).

Além de coibir o desmatamento especulativo, a taxação de terras improdutivas melhoraria condições socioeconômicas de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o Banco Mundial e aComissão Europeia. O fim do desmatamento especulativo liberaria recursos para atividades produtivas e aumentaria o emprego no meio rural, o que ajudaria a reduzir a pobreza.

“Considerando que a presidente reeleita assumiu compromisso de reduzir o desmatamento e a pobreza, ela deveria atualizar o índice mínimo de produtividade usado para apurar o ITR“, declarou Paulo Barreto, pesquisador sênior doImazon e co-autor do trabalho.


Disponível em http://www.ihu.unisinos.br/noticias/537064-falhas-na-arrecadacao-de-imposto-sobre-a-terra-facilitam-especulacao-e-desmatamento-na-amazonia