RESENHA – The Hidden Wealth of Nations: The Scourge of Tax Havens, de Gabriel Zucman

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Edilberto Carlos Pontes Lima 1

Um dos maiores desafios dos governos na atualidade é a tributação da riqueza e de seus fluxos. A intensa integração entre os mercados, as possibilidades de depositar recursos em paraísos fiscais – muito pouco abertos à cooperação internacional para troca de informações com as administrações tributárias – abrem possibilidades significativas para a sonegação. Além disso, recursos de origem ilícita – desde a corrupção de agentes públicos até o trá- fico de drogas e de armas – também encontram abrigos seguros em paraísos fiscais, que costumam não fazer muitas perguntas aos depositantes. Gabriel Zucman trata desse assunto, chamando a atenção para o fato de que, apesar dos muitos esforços para diminuir a opacidade das informações bancárias, o volume de dinheiro depositado em paraísos fiscais tem crescido substancialmente nos últimos anos: “Desde abril de 2009, quando os países do G20 tiveram um encontro de cúpula em Londres e decretaram o “fim do segredo bancário”, o montante de dinheiro depositado na Suíça aumentou 18%. Para todos os paraísos fiscais somados, o aumento é ainda maior, quase 25% (tradução nossa, pos. 144)”

O livro merece ser lido por várias razões. Inicialmente, porque aborda tema de grande interesse e ainda insuficientemente explorado, trazendo muitos dados pouco conhecidos. Por exemplo, calcula que pelo menos US$ 7,6 trilhões são mantidos em paraísos fiscais, o que representa 8% da riqueza financeira mundial. Só a Suíça detém US$ 2,3 trilhões de ativos estrangeiros depositados em seus bancos. Os paraísos fiscais são essenciais para viabilizar a corrupção. Afinal, se não há onde guardar o dinheiro desviado, boa parte do estímulo se esvai. Dinheiro tem principalmente valor de uso e não valor intrínseco. O valor intrínseco só existe para aqueles que passaram a vida economizando e, tal como o Tio Patinhas, extraem grande prazer em apreciar a sua caixa forte, o seu saldo bancário. Corruptos, não. Estes desviam recursos públicos, cometem fraudes, evadem tributos porque adoram a boa vida que o dinheiro traz. Adoram carrões, iates, hotéis 6 estrelas, vida nababesca, enfim. Além disso, os fatos têm mostrado uma íntima relação entre a corrupção e os financiamentos eleitorais. Se os corruptos não podem desfrutar da boa vida que dinheiro desviado proporciona ou utilizá-los em campanhas políticas, qual a finalidade de suas ações? O livro também ajuda a entender como os paraísos fiscais viabilizam a utilização do dinheiro neles depositados.

Além dos números, a análise é muito bem feita, numa linguagem simples e direta. O autor parece seguir o alerta de Karl Popper: “Quem não pode falar de modo simples e claro deve calar-se e continuar trabalhando até que possa fazê-lo.” Zucman tem o que dizer e mostra que trabalhou o suficiente para tanto. Por fim, o prefácio de Thomas Piketty é um belo presente. Piketty se tornou um pop star desde a publicação do seu livro “Capital no Século XXI” em inglês e suas opiniões e observações são sempre levadas em conta. Há muitas contestações ao seu trabalho, mas ignorá-lo é quase impossível. É um pesquisador que escreve com muita fluência e tem sempre algo relevante a dizer. E ele diz: “Se você está interessado em desigualdade, justiça global e no futuro da democracia, então definitivamente você deve ler este livro (tradução nossa).”

Não se trata de um livro extenso, são 200 páginas, divididas em cinco capítulos, além da introdução e da conclusão. No primeiro capítulo, Zucman faz uma reconstituição histórica sobre os paraísos fiscais. Aponta que a Suíça é o paraíso fiscal número um ainda hoje. Reproduzo as palavras do próprio autor:

“Se nós observarmos mais de perto a história bancária deste país (a Suíça), nós revelaremos os intrincados mecanismos de dissimulação que, começando do seu centro, têm se espalhado pelo mundo, e a genialidade de muitos banqueiros em salvaguardar o segredo financeiro e a fraude. (tradução nossa, pos. 197)”

Zucman conta que após a I Guerra Mundial, pelo anos 1920, os principais países envolvidos começaram a cobrar elevados tributos sobre as grandes fortunas. Se no século XIX grandes fortunas foram acumuladas sem praticamente nenhum pagamento de tributos, o aumento substancial e brusco dos impostos incidentes criou as condições para o surgimento da indústria da evasão tributária. E a evasão tributária, segundo Zucman, é a principal razão para depositar títulos mobiliários na Suíça. Isso porque os bancos suíços, segundo ele, não comunicam de modo compreensível e confiável aos governos estrangeiros os depósitos ali realizados. É a velha máxima de que quanto maior o ganho, maior o risco a que se está disposto a correr. Ele mostra também que a maior parte do dinheiro depositado na Suíça é de residentes da União Europeia e dos Estados Unidos, desmanchando a crença de que apenas corruptos de ditaduras de países em desenvolvimento são os responsáveis pelos depósitos.

Zucman relata também que após o fim da II Guerra os bancos suíços sofreram grandes pressões para revelar seus depositantes, mas que mostraram notável capacidade de resistência e viveram uma era de ouro de 30 anos entre os anos 1950 e 1970, período em que a Suíça praticamente não sofria concorrência de outros paraísos fiscais. Nos anos 1980, surgiram paraísos fiscais concorrentes, tais como Hong Kong, Cingapura, Jersey, Luxemburgo e Bahamas, procedendo basicamente do mesmo modo que os bancos suíços, isto é, eles mantêm depósitos de títulos e ações para depositantes estrangeiros, arrecadam dividendos e juros correspondentes, fornecem orientações de investimentos e, principalmente, a possibilidade de não pagar impostos sobre dividendos, juros, ganhos de capital ou sobre heranças e doações. A concorrência absorveu boa parte dos novos depósitos, mas não enfraqueceu, segundo Zucman, o gerenciamento de riqueza na Suíça, que continua muito próspero: “eles nunca estiveram tão fortes como agora (tradução nossa).”

Nesse ponto, Zucman aponta que a competição entre paraísos fiscais é, em grande medida, falsa. O que há, segundo ele, é especialização. Enquanto que no passado os banqueiros suíços forneciam todos os servi- ços bancários, atualmente eles se concentram na custódia de títulos mobiliários. Mesmo as técnicas de esconder os beneficiários foram transferidas para outros paraísos fiscais, segundo Zucman. Isso porque as famosas contas numeradas foram proibidas na Suíça, mas foram substituídas por nomes de fundações e corporações, cujos proprietários são desconhecidos. Além disso, Zucman lembra que um grande número de bancos domiciliados em Cingapura ou nas Ilhas Cayman são apenas braços de estabelecimentos suíços. Ele arremata: “Contas circulam de Zurique para Hong Kong por um simples jogo de assinaturas, dependendo dos ataques contra os segredos bancários e dos tratados assinados pela Suíça com países estrangeiros (pos. 401, tradução nossa).”

Zucman calcula que pelo menos US$ 190 bilhões são sonegados todos os anos pelos depositantes em paraísos fiscais: US$ 125 bilhões em Imposto de Renda (juros e dividendos); US$ 55 bilhões por impostos sobre heranças e US$ 10 bilhões de impostos sobre a riqueza. É claro que esses dados são sujeitos a contestações de toda ordem, afinal, o autor teve, por razões óbvias, que fazer muitos esforços metodológicos. A América Latina, por exemplo, perde anualmente US$ 21 bilhões de tributos, segundo Zucman, enquanto que a Europa perde US$ 78 bilhões. A estimativa de que 22% da riqueza financeira da América Latina está em paraísos fiscais é impressionante, e mais ainda da Rússia (52%) e países do Golfo (57%).

Zucman, por fim, propõe uma série de medidas para acabar a evasão tributária a partir de análises de experiências mal sucedidas. Ele sugere sanções aos paraísos fiscais que não cooperarem e um registro financeiro internacional. As sanções se concentrariam principalmente na imposição de impostos alfandegários elevados, uma vez que paraísos fiscais são muito dependentes do comércio internacional. Nos mesmos termos de um imposto de Pigou, que compensaria externalidades negativas geradas por produtores, os governos cobrariam impostos alfandegários em idêntica proporção dos tributos que deixassem de recolher em razão da atuação dos paraísos fiscais.2

Já um registro financeiro global teria a finalidade de armazenar os valores e respectivos proprietários de todos os ativos financeiros em circulação no mundo, de forma a permitir que as administrações tributárias pudessem checar todos os ativos, além de inibir fortemente a ação das lavanderias de dinheiro. Zucman acredita que uma instituição internacional mantida pelos governos, nos moldes do Fundo Monetário Internacional, poderia se responsabilizar por essa tarefa, na linha do que instituições privadas fazem atualmente em nível nacional.

Uma parte igualmente interessante do livro é quando Zucman afirma que um registro financeiro global estaria intimamente ligado à proposta de Thomas Piketty de um imposto global sobre a riqueza. Como medir a riqueza é um passo essencial para tributá-la, o registro financeiro global, combinado com os registros já existentes de ativos imobiliários, viabilizaria o imposto de Piketty que, aliás, tem suscitado acaloradas controvérsias.

Em suma, o livro trata com elegância e profundidade de um tema de grande importância. Está na ordem do dia internacional e do Brasil, mais ainda com o controverso projeto de repatriação de recursos, em tramitação no Congresso Nacional, e com a revelação de que o atual Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Eduardo Cunha, movimentou recursos financeiros na Suíça por meio de “trusts”. Independentemente de os recursos terem origem lícita ou não, o caso evidencia a pouca transparência com que os paraísos fiscais manejam os depósitos e a possível evasão tributária.


1 Doutor em Economia. Conselheiro Presidente do Tribunal de Contas do Estado do Ceará. E-mail: pontes. lima@tce.ce.gov.br

2 O referido imposto foi proposto originalmente em A.C. Pigou, The Economics of Welfare, 1920, mas qualquer bom livro de economia do setor público ou de finanças públicas traz o conceito.


Disponível em http://www.tce.ce.gov.br/component/jdownloads/finish/1269-revista-controle-volume-xiii-n-1-junho-2015/2903-resenha-the-hidden-wealth-of-nations-the-scourge-of-tax-havens-de-gabriel-zucman?Itemid=0