A contrarreforma previdenciária

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Maria Lucia Fattorelli sustenta que as alterações que têm sido feitas são, na verdade, uma reforma às avessas, uma ofensiva aos direitos sociais em detrimento dos interesses financeiros

Por: Ricardo Machado

Sob o discurso da austeridade, que busca “justificar” o injustificável arroxo nos investimentos sociais, o Estado tem privilegiado políticas que, no fim das contas, servem ao  pagamento de juros bancários. É nesse sentido que a contra reforma se movimenta. “Investigações realizadas pela Auditoria Cidadã da Dívida no Brasil e em várias partes do mundo têm demonstrado que grande parte das dívidas públicas são geradas por certos mecanismos financeiros que atuam tanto em sua origem como em seu contínuo crescimento. Em vez de aportar recursos, a dívida pública é um esquema de transferência de recursos principalmente para o setor financeiro”, explica Maria Lucia Fattorelli, em entrevista por e-mail à IHU On-Line.

No fundo, o que está em jogo não é apenas o sistema previdenciário, senão um modelo de sociedade cada vez mais alinhado às perspectivas de mercado. “O cerne das alterações que vêm sendo feitas ao longo dos anos é a modificação de um modelo de solidariedade – no qual a garantia de emprego e boa remuneração aos jovens garantiria sempre boa remuneração aos aposentados – vem dando lugar a um modelo submetido às regras do mercado e sem qualquer segurança futura”, critica Maria Lucia. “O verdadeiro ajuste deveria ser feito no pagamento dos juros mais elevados do mundo, pagos sobre uma dívida repleta de ilegalidades, ilegitimidades e até suspeitas de fraudes. Por isso é tão importante lutar pela auditoria dessa dívida e mudar o rumo da política econômica”, propõe.

 

Confira a entrevista.

IHU On-Line – A partir de sua experiência na militância em defesa de uma auditoria sobre a dívida pública, como explicar a relação entre dívida pública e o debate sobre a reforma previdenciária?

Maria Lucia Fattorelli – A relação é direta, pois a crescente exigência de recursos para o pagamento de juros e amortizações da chamada dívida pública sangra o orçamento público em todos os níveis (federal, estadual e municipal) e tem servido de justificativa para a implantação de reformas neoliberais, especialmente as sucessivas reformas da previdência que retiram cada vez mais direitos dos trabalhadores. 

Ao final, o “peso” da dívida é transferido diretamente para a sociedade, em particular para os mais pobres, tanto por meio do pagamento de elevados tributos incidentes sobre tudo o que consomem, quanto pela ausência ou insuficiência de serviços públicos a que têm direito – saúde, educação, assistência social, previdência – e, ainda, entregando patrimônio público mediante as privatizações e a exploração ilimitada de riquezas naturais, com irreparáveis danos ambientais, ecológicos e sociais. O custo social é imenso. 

O mais grave é que a privilegiada dívida pública não corresponde ao acúmulo de recursos recebidos por meio de empréstimos tomados por entes públicos (governo federal, estadual, municipal, ou empresas estatais), como a maioria das pessoas acredita. Investigações realizadas pela Auditoria Cidadã da Dívida no Brasil e em várias partes do mundo têm demonstrado que grande parte das dívidas públicas são geradas por certos mecanismos financeiros que atuam tanto em sua origem como em seu contínuo crescimento. Em vez de aportar recursos, a dívida pública é um esquema de transferência de recursos principalmente para o setor financeiro. A isso denominamos “Sistema da Dívida”.

No Brasil, a dívida interna federal cresceu mais de R$ 730 bilhões em 11 meses, de janeiro a dezembro de 2015, fruto de política monetária que tem gerado dívida pública para transferir bilhões aos bancos nas operações de swap cambial, operações de mercado aberto, além dos juros abusivos. Depois de gerada, essa dívida exige o contínuo pagamento de juros e encargos, que têm sido honrados às custas do ajuste fiscal, austeridade e cortes de direitos por meio de contra reformas. 

Política Monetária

É por causa dessa equivocada política monetária que favorece o endividamento público que o Brasil foi empurrado para esse inaceitável cenário de crise econômica, desindustrialização, queda do comércio, desemprego e agravamento dos problemas sociais. Esse cenário de crise econômica também tem sido utilizado para justificar a contra reforma da Previdência.

Essa crise não é generalizada, mas seletiva, porque os bancos não pararam de lucrar, pelo contrário, bateram novos recordes de lucros em 2015, ainda superiores aos de 2014 (quando lucraram mais de R$ 80 bilhões), apesar de realizar provisões de quase R0 bilhões. É evidente a transferência de renda para o setor financeiro, em detrimento de todas as demais rubricas orçamentárias.

Esterelização

A grande esterilização de recursos por meio desse processo explica o paradoxo inaceitável que existe em nosso pais: 9a economia mundial e um dos países mais injustos do mundo, desrespeitando direitos humanos fundamentais, como denuncia a inaceitável classificação em 79o lugar segundo o IDH medido pela ONU.

Por tudo isso, o debate sobre a contra reforma da Previdência deve incluir o conhecimento sobre o “Sistema da Dívida”. É necessário conhecer que dívidas os povos estão pagando. A AUDITORIA é a ferramenta que nos permite conhecer e documentar este processo.

IHU On-Line – Por que o governo utiliza o resultado primário e não o resultado nominal para apresentar a execução das suas contas? Como isso interfere nos investimentos da área de seguridade social?

Maria Lucia Fattorelli – Preliminarmente, é preciso lembrar que o “Superávit Primário” é obtido por meio de economia forçada para que as receitas primárias sejam superiores às despesas primárias. Assim, não entram no cálculo do “superávit” os gastos com a dívida pública nem as diversas receitas não primárias. Desta forma, quando se fala em “superávit primário”, estamos falando de apenas uma parte das receitas (principalmente os tributos, receitas de privatização, lucros das estatais, dentre outras, mas que não incluem todas as receitas do orçamento) e das despesas (principalmente os gastos sociais) do governo federal. 

A imposição de obtenção de “Superávit Primário” vem de exigência do Fundo Monetário Internacional – FMI desde a década de 1990 e permanece na pauta devido ao forte poder que os organismos internacionais detêm no Brasil. 

Ao colocar todo o esforço do modelo econômico no cumprimento da meta de “Superávit Primário”, o foco da pressão passa a recair sobre o corte de gastos sociais para que a meta seja atingida. Se a meta não é atingida, a grande mídia se encarrega de divulgar amplamente que a gastança com direitos sociais é insustentável, como vimos recentemente.

Considerando que os gastos com juros e amortizações da dívida não fazem parte do cálculo do “Superávit Primário” (pois estas rubricas estão fora dos gastos primários), apesar de representarem disparadamente o maior gasto do País, não há pressão alguma de corte sobre elas.

Distorções

Além disso, várias distorções são feitas para se proteger os privilégios dos gastos com a dívida, especialmente a contabilização de juros como se fosse “amortização”. Tal procedimento burla o art. 167 da Constituição e permite o pagamento de juros (despesas correntes) mediante a emissão de novos títulos, fazendo o estoque da dívida explodir. Esse grave fato já foi denunciado ao Ministério Público desde 2010, quando foi concluída a CPI da Dívida realizada na Câmara dos Deputados, e também relatado no Relatório Específico de Auditoria Cidadã da Dívida no 1/2013.  

Portanto, boa parte do que tem sido registrado como “Amortização” é pagamento de juros com emissão de novos títulos da dívida pública. Este processo, ao longo dos anos, tem provocado um crescimento ininterrupto do valor gasto com pagamento de juros, do valor gasto com amortizações e do estoque da dívida, em decorrência dos resíduos gerados pela constante incidência de juros sobre juros.

A demonstração transparente dos gastos orçamentários de forma nominal evidenciaria o imenso privilégio ilegal da dívida, comprovando também que o verdadeiro rombo das contas públicas está na dívida pública e não na Previdência ou nos demais gastos sociais, conforme gráfico: 

IHU On-Line – O que está por trás do discurso amplamente divulgado pela mídia de que as contas previdenciárias são deficitárias?

Maria Lucia Fattorelli – A Previdência Social tem sido continuamente atacada por setores interessados em tragar parcela cada vez maior do orçamento público e levar para fundos privados as contribuições dos trabalhadores. 

Não é por acaso que, ao longo dos últimos anos, os ataques à Previdência Social têm se multiplicado no mesmo ritmo em que se multiplicam os montantes destinados à dívida pública e crescem os planos privados de previdência. 

A Previdência Social é um dos tripés da Seguridade Social, juntamente com a Saúde e Assistência Social, e foi uma das principais conquistas da Constituição Federal de 1988.

Contribuições Sociais

Ao mesmo tempo em que os constituintes criaram esse importante tripé, estabeleceram também as fontes de receitas – as contribuições sociais – que são pagas por todos os setores, ou seja: 

– empresas contribuem sobre o lucro (CSLL) e pagam a parte patronal da contribuição sobre a folha de salários; 

– trabalhadores contribuem sobre seus salários; 

– e toda a sociedade contribui por meio da contribuição embutida em tudo o que adquire (Cofins). 

– Além dessas, há contribuições sobre importação de bens e serviços, receitas provenientes de concursos e prognósticos e outras previstas em lei.

A seguridade social tem sido altamente superavitária. Nos últimos 5 anos, a sobra de recursos na Seguridade Social foi de R$ 55,1 bilhões em 2010, R$ 76,1 bilhões em 2011, R$ 83,3 bilhões em 2012, R$ 78,2 bilhões em 2013 e R$ 53,9 bilhões em 2014, conforme dados oficiais segregados pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal – ANFIP.  

Superávit

O reiterado superávit da Seguridade Social deveria estar fomentando debates sobre a melhoria da Previdência, da Assistência e da Saúde dos brasileiros. Isso não ocorre devido à prioridade para o pagamento da dívida mediante a Desvinculação das Receitas desses setores para o cumprimento das metas de superávit primário, ou seja, a reserva de recursos para o pagamento da dívida pública.

O falacioso déficit é encontrado quando se compara apenas a arrecadação da folha (deixando de lado todas as demais contribuições sociais) com a totalidade dos gastos com a Previdência, fazendo-se um desmembramento que não tem amparo na Constituição e nem possui lógica, pois são os trabalhadores os maiores contribuintes da COFINS.

Além do falacioso discurso sobre o déficit, diversas medidas, tais como: a cobrança de contribuição previdenciária dos aposentados e pensionistas; a manutenção do fator previdenciário; a criação de fundos de previdência complementar dos servidores públicos; o fim do direito dos aposentados e pensionistas do setor público à paridade salarial com os servidores da ativa; o aumento da idade para aposentaria, entre outras, têm objetivado a retirada de direitos e o enfraquecimento da Previdência Social, ao mesmo tempo em que empurram os trabalhadores para fundos de pensão privados, que não oferecem garantia alguma em relação aos futuros benefícios, pois se regem por regras de mercado e podem simplesmente quebrar.

Os interesses do mercado financeiro têm sido plenamente atendidos pois na prática se multiplicam os fundos de previdência privada enquanto avança a parcela do Orçamento Público destinada aos rentistas da dívida pública.

IHU On-Line – Com base nas políticas implementadas nos últimos anos, de que forma se dá a transferência de recursos da Seguridade para o setor financeiro privado? Qual é o cerne dessas alterações?

Maria Lucia Fattorelli – Logo após a Constituição de 1988 – que estruturou a Seguridade Social – diversos ataques e tentativas de desconstruir este sistema se sucederam, sempre com o viés de retirada de direitos dos trabalhadores, além do desvio de recursos para o pagamento de juros. 

A instituição da Desvinculação das Receitas da União – DRU, denominada anteriormente como FSE e FEF, permite a retirada de até 20% de importantes contribuições da Seguridade Social, para gerar caixa para o pagamento da dívida pública. 

A Proposta de Emenda à Constituição nº 87 / 2015, de autoria do Poder Executivo, pretende alterar esse percentual de 20 para 30%!A simples existência de tal mecanismo – DRU – já comprova que sobram recursos na Seguridade Social. Se faltasse recurso, não haveria nada que desvincular, evidentemente.

Troca de modelo

O cerne das alterações que vêm sendo feita ao longo dos anos é a modificação de um modelo de solidariedade – no qual a garantia de emprego e boa remuneração aos jovens garantiria sempre boa remuneração aos aposentados – vem dando lugar a um modelo submetido às regras do mercado e sem qualquer segurança futura, como temos visto atualmente na Europa e Estados Unidos. Planos de previdência privada investiram em derivativos sem lastro e simplesmente quebraram. O mais grave é que os planos no Brasil também podem investir em derivativos (art. 44 da Resolução do CMN no 3792/2009).

IHU On-Line – De que maneira a transferência dos fundos de previdência social pública para o setor privado favorece a construção de um cenário de instabilidade econômica, subsidiando, inclusive, o investimento em derivativos financeiros (papéis podres)?

Maria Lucia Fattorelli – Os planos de previdência privada recebem as contribuições dos trabalhadores e as contribuições patronais – em moeda corrente – mas não ficam com essa moeda em caixa. Invariavelmente investem em papéis, tais como ações de empresas, títulos da dívida pública, e também em produtos financeiros de risco, como os “derivativos”, muitas vezes sem qualquer lastro, e que correspondem a verdadeiras apostas.

Não há sentido colocar a “previdência” de milhões de trabalhadores a depender de aplicações de “risco”. A previdência serve justamente para conferir-lhes segurança após o cumprimento de tantos anos de trabalho, por isso defendemos o modelo de solidariedade mencionado antes. 

A recente crise financeira internacional escancarou o imensurável risco sistêmico do atual modelo capitalista financeirizado, cujas principais instituições se encontram fortemente alavancadas em ativos de alto risco, considerados tóxicos, ou seja, “lixo”. A solução dada tanto pelos EUA como países europeus foi a utilização às avessas do endividamento público, por meio da utilização de diversos mecanismos que geraram grandes volumes de dívidas públicas para salvar aqueles bancos considerados “grandes demais para quebrar”. 

Fraudes

Assim, bancos passaram da situação de “falidos” à condição de credores. O mais grave é que tais bancos – os mais famosos do mundo – vinham realizando operações que podem ser consideradas como sofisticadas fraudes, criando papéis a partir do nada, sem qualquer respaldo em ativos reais. Esses papéis – os derivativos (que derivam de algum ativo, e podem ser emitidos em séries infinitas) – geraram verdadeiros e imensos lucros aos grandes bancos que contabilizaram tais ganhos, inchando artificialmente seus balanços e possibilitando a concessão de créditos de forma irresponsável, pois esses bancos precisavam dar destinação a todo esse dinheiro “criado” a partir da venda desses papéis principalmente a fundos de pensão e outros fundos financeiros que trocam dinheiro efetivo (correspondente a resultado do trabalho ou de venda de bens ou serviços reais) por papéis financeiros.

Os bancos brasileiros não estavam tão alavancados em derivativos quando a crise estourou em 2008. Em vez de proteger o Brasil desses papéis podres, o que se fez foi o contrário, propiciando-se o relaxamento de normas, com a autorização expressa para aplicações em derivativos (art. 44 da Resolução do CMN no 3792/2009) e a criação de grandes fundos financeiros como o Fundo Soberano, o Fundo Social do Pré-sal, o Fundo de Previdência Complementar de Servidores Públicos – Funpresp, que poderão virar receptáculos dos papéis podres que provocaram a crise nos Estados Unidos e Europa e estão temporariamente armazenados em bad-banks.

Sem controle

A ausência de controle de capitais, aliada à crescente desregulamentação do funcionamento do sistema financeiro em todo o mundo transforma em uma grande temeridade a colocação do futuro dos trabalhadores em aplicações financeiras de risco. Na prática, ocorre a esterilização da poupança de trabalhadores, que podem ficar completamente sem retorno financeiro ao final de sua vida laboral.

Caberia às autoridades financeiras do país sair dessa armadilha que só serve para alimentar a ganância do mercado financeiro e investir corretamente nos instrumentos da previdência social pública e universal que ainda temos.

IHU On-Line – Afinal de contas, o que está em jogo é um projeto econômico ou civilizacional?

Maria Lucia Fattorelli – A Previdência está no centro do debate sobre a natureza do projeto atual, porque o modelo de solidariedade não concilia com a crescente demanda do mercado por espaços para destinar seus produtos financeiros.  

O avanço da Financeirização mundial já deu múltiplas provas de que não possui escrúpulo algum em relação à civilização. Basta ver o que aconteceu recentemente na Grécia: uma verdadeira tragédia humanitária com impactos sociais imensuráveis, em troca de acordos que serviram para salvar bancos privados europeus.

Economia sacrificada

A economia real tem sido sacrificada, pois os especuladores já não desejam mais esperar pela produção de lucro através de processos produtivos – industrial e comercial. Estão viciados no lucro rápido e crescente, auferido através de engenharia financeira, criação de sofisticados “produtos” financeiros sem lastro, do domínio das economias de países com políticas monetárias suicidas,  e através da utilização dos avanços tecnológicos de computação e comunicação, acesso a paraísos fiscais e benefícios decorrentes da desregulamentação financeira e do poder financeiro avalizado por organismos internacionais e agências de risco. Dessa forma, conseguem exercer uma dominação financeira sem precedentes, sobre a maioria dos países do mundo.

Cabe lembrar a notícia sobre a demissão de advogada do Banco Mundial, Karen Hudes,  por ter revelado como a elite financeira está exercendo a dominação sobre países e povos, concluindo que “a ferramenta principal para escravizar nações e governos inteiros é a dívida”. Nós já dizemos isso há muitos anos, mas ter o registro dessa declaração por parte de uma advogada do Banco Mundial é algo muito relevante. Esse fato demonstra que já estamos chegando no limite desse modelo que tem se mostrado totalmente sem escrúpulos. 

Por isso é mais que hora de aprofundarmos o debate sobre uma nova arquitetura financeira internacional, como a iniciativa NAFR iniciada aqui na América Latina desde 2007. O Brasil, infelizmente, está muito atrasado nesse debate. O sistema financeiro deveria estar a serviço da economia real, produtiva, que gera emprego e renda, e não o contrário, como ocorre atualmente. 

Se o atual modelo não for modificado, a tendência é acirrar cada vez mais a brutal concentração de renda e riqueza nas mãos de grandes bancos e corporações transnacionais, sacrificando a classe trabalhadora mundial e a sociedade em geral. Esse desequilíbrio é insano. É como concentrar todo o sangue de uma pessoa em um dedo; essa pessoa morrerá. 

IHU On-Line – De que maneira toda essa lógica (retro)alimenta uma política econômica e social fundamentada na produção de “crises”, cuja saída parece ser sempre a mesma: “a austeridade”?

Maria Lucia Fattorelli – É evidente que haverá outra crise em breve, pois esse modelo capitalista financeirizado e desregulamentado é totalmente insustentável. O que impressiona é o fato de tanta gente ainda defender as políticas que visam dar uma sobrevida a esse modelo. 

O poder exercido por organismos internacionais sobre diversos países impõe planos econômicos que colocam as obrigações da dívida pública como uma prioridade dos respectivos governos. No caso brasileiro, essa é a nossa realidade desde a década de 80, permeando os sucessivos governos desde então.

A política de “ajuste fiscal” ou “austeridade” se encaixa perfeitamente nesses objetivos, pois sacrifica todos os gastos e investimentos públicos para alimentar o Sistema da Dívida.

Temos assim uma subtração de recursos que se destinam principalmente para mãos de bancos e outras instituições financeiras. Esses recursos saem de todas as áreas: infraestrutura, educação, saúde, segurança, assistência, previdência etc.

Política Econômica

Assim, toda a política econômica fica orientada para contra reformas, elevação de tributos, privatizações, e evidentemente os cortes de gastos sociais e investimentos; medidas que visam sacrificar todas as áreas para privilegiar os gastos com a dívida pública que não para de crescer.

Os organismos internacionais, especialmente FMI e Banco Mundial também monitoram o Banco Central e exigem a implementação de política monetária que gera ainda mais dívida pública sem contrapartida alguma ao país.

Essa dívida gerada exige ainda mais sacrifício para o pagamento de seus juros e encargos. Temos assim um ciclo vicioso que está enterrando a economia do gigante Brasil, afetando diretamente a vida de cada brasileiro e brasileira.

O verdadeiro ajuste deveria ser feito no pagamento dos juros mais elevados do mundo, pagos sobre uma dívida repleta de ilegalidades, ilegitimidades e até suspeitas de fraudes. Por isso é tão importante lutar pela auditoria dessa dívida e mudar o rumo da política econômica.


Maria Lucia Fattorelli é auditora fiscal e coordenadora da organização brasileira Auditoria Cidadã da Dívida. Foi membro da Comissão de Auditoria Integral da Dívida Pública – CAIC no Equador em 2007-2008. Participou ativamente nos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a dívida realizada no Brasil. É autora de Auditoria da Dívida Externa. Questão de Soberania (Contraponto Editora, 2003).

Disponível em http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=6321&secao=480